domingo, 22 de janeiro de 2012

A carne do ventríloquo

O caso de Paulinho começou com um estranho hábito de comer lêndias e piolhos. Então lá estava aquele garoto coçando a cabeça com tanto vigor que chegava a deixar feridas. Ele puxava as lendias e as enfiava na boca com cabelo e tudo. Depois de um tempo, o comedor de piolhos acabava puxando as cascas que se formavam em seu couro capilar, decorrente das feridas e as comia também.
Ele se senta no restaurante sofisticado e pede pasta de aspargos para saborear. É uma reunião de negócios com dois sujeitos estranhos representantes de lojas de brinquedos. Um deles se senta com um boneco de ventriloquo sobre a mesa e o outro tem os braços e o pescoço presos por cordas suspensas no teto, é um marionete de carne.
Discutimos sobre a bolsa de valores e o Pib. O ventriloquo entende tudo sobre brinquedos. Também tem uma fraqueza por prostitutas negras. Ele vai bebendo todo o wisky que seu condutor pede. É impressionante. O sujeito pede uma dose de wisky com soda e quando o garçom deposita a bebida em cima da mesa, o boneco agarra o copo e vira tudo de uma vez. Depois ele manda o seu condutor pedir mais uma dose e calar a boca.
A medida que o boneco vai ficando bêbado ele começa afalar que na verdade odeia a indústria de brinquedos e que o plástic o está deixando broxa. Ele enrola a língua e fuma cigarro. Seu condutor, se é que pode ser assim chamado, fica a reunião inteira quieto com seu braço enfiado no cu do boneco. Ele apenas come uns espetinhos de carne e pede bebidas.
O boneco está totalmente alterado, se diz um gênio do Busines e fala que já comeu mais de mil mulheres. Ele também fala que é um grande torcedor do Fluminense e em sua mansão no Joá tem um quadro estilo vitoriano do Renato Gaucho. Paulinho e o marionete ficam apenas observando enquanto o boneco fala sem parar.
- É que vocês sabem. Eu sou o cara. Eu mando nessa cidade. Rio de janeiro? Ha...? Eu quero esculachar. Eu sou o cara. Vocês tinham que ver. Já fui casado nove vezes.
Chega o prato principal e o marionete fica meio desajeitado com o talheres. O garçom percebe o desconforto e pergunta se ele deseja que alguém lhe dê de comer. O marionete aceita e o garçom se retira.
O boneco continua a falar apontando para seu condutor :
- Ele aqui. Não faz nada. Fica ai que nem mosca morta com o dedo enfiado no meu cú. Não é fácil ser boneco de ventríloco não. Eu sou impulsivo, eu sou a má consciência desse imbecil. Eu sou o cara que arrisca nosso patrimonio, e o cara tem a intuição para os negócios. Ele apenas assina os contratos e preenche os cheques. Não é verdade Leopardo?
Leopardo fala sua primeira frase da reunião:
- É verdade.
- Eu estou dizendo para vocês. É batata. Um milhão, dois milhões, trinta milhões, tinha que ver quando eu não tinha nada. Era apenas uma alma vagando pelos becos dos suburbios. Nem essa merda de corpo de pano eu tinha. Ganhava dinheiro apertando baseados para um traficante que não tinha mãos.
Nesse momento uma mulher muito elegante aparece do outro lado do salão. Todos ollham para ela impecável. Seu decote reluzente como uma armadilha que mantém os espíritos presos entre os dois mundos. Seus olhos verdes ligeiramente puxados como uma gata japonesa que impede as almas de evoluirem eu seu ciclo natural. Magra e de porte muito fino ela dá uma tragada em sua cigarrilha e vai andando em direção a mesa onde está acontecendo a reunião. - Caralho que gostosa! Diz o boneco.
Na mesa de trás, um senhor se levanta para receber a moça. Deve ser seu pai. Com certeza é o pai da mulher sim. A poucos minutos eles falavam sobre uma comemoração de setenta anos da família. A japonesa armadilha de espíritos era a filha mais nova.
O boneco fica mesmerizado com o desfile da jovem:
- Que é isso? Estamos no Fashion week agora? Olha o porte dessa moça. Quero comer ela.
Leopardo, o condutor de carne fica aparentemente nervoso, ele já conhece seu patrão e sabe como isso vai terminar. O marionete continua se enrolando com os talheres. Paulinho aproveita o momento de distração dos sócios para puxar uma casquinha da cabeça e a enfia direto na boca.
- Ei gostosa, quer assistir as corridas de cavalos comigo amanhã no Jockei?
A garota ignora o boneco de pano que fica falando palavras sem sentido com língua enrolada. Ela apenas da uma risadinha discreta e vai se juntar aos seus parentes na mesa de trás.
O condutor fica aliviado. Geralmente é ele quem tem que resolver as merdas que seu boneco de ventríloquo faz.
- Mas me diga senhor Paulo. Como vamos fazer para evitar que os lagartos engulam os bonecos. Os prejuízos gerados pelos acidentes vão nos custar uma fortuna.
Uma segunda mulher vem andando na direção da mesa. Ela foi encomendada pelo garçom para dar de comer ao marionete. A moça também é bastante atraente, usa um avental que a faz ficar parecendo com uma enfermeira de filme pornô. O boneco de ventriloco fica babando os peitos dela enquanto o Marionete tenta conciliar o seu apetite com a sua ereção. Necessidades da natureza humana que são antagonistas entre sí.
O ventríloco fica oferecendo jóias e carros para a moça que enfia a colher na boca do Marionete. Esse boneco verde e decadente é persistente:
- Sabe boneca, eu gosto mesmo é da Golden Shouwer. Você pode mijar na minha cara a noite inteira que meu condutor de carne não se incomoda. Você é daquelas que tem caninos brancos na vagina? Adoro caninos brancos na vagina, sabe? Pum Pum, tá tá, Pow! Entende? Eu quero esculachar!
Marionete constrangido com o comportamento do sócio, concentra-se em Paulo que tenta ser discreto ao tirar uma lendia de trás da orelha e come-la. Marionete fica sem palavras. Com a cortesia de um lord inglês ele finge que nada daquilo está acontecendo:
- O que você está comendo Paulo?
- Piolhos...
Os dois ficam se olhando como se fossem dois pistoleiros do deserto, porém, um pouco mais apáticos que Billy the Kid.
- Eu me referia ao prato que você escolheu no menu.
- Há... Sopa. Eu gosto de sopa... para lagartos.
A mulher gostosa enfia um garfo com um pedaço de vitela na boca do Marionete. O movimento deixa sua boca suja e ela se apressa em limpa-lo com um guardanapo. O ventríloco aperta sua bunda. Ela lança um olhar sacana para o condutor de carne. Será que as pessoas sabem que ele é uma coisa e o boneco é outra? A mulher se senta amassando o boneco que apertava sua bunda. A cena fica um pouco grotesca. Um homem com a mão enfiada na bunda de um boneco que está enfiado na bunda de uma mulher, que enfia uma colher de arroz na boca de um outro homem que está pendurado no teto.
- Mais um Wisky Por favor.
Quando todos se recompoem, o boneco volta para mesa, com um de seus olhos saltado para fora.
- Merda, essa puta me amassou com sua bunda enorme.
- Puta não oh bonequinho. Olha o respeito comigo. Eu estou super aturando suas escatologias e brincadeiras de mal gosto.
- Desculpa. Desculpa.
O wisky chega e o boneco bebe. Ele se engasga e o cheiro de álcool sai pela cavidade do seu olho saltado. Fica falando sózinho coisas sem sentido. O condutor se aproxima da moça e fala discretamente:
- Mais umas duas dessas e ele dá PT.
- Graças a deus.
Mas o boneco tinha outros planos.
- William, me leve até o banheiro. Preciso vomitar. A noite ainda será muito longa.
William se levanta e os dois vão andando até o banheiro. O boneco alucinado sai falando com todo mundo. Todos os homens ele chama de filho da puta e todas as mulheres e chama de gostosa.
- Você trouxe o meu viagra, William?
- Sim senhor.
- Ótimo! Essa noite eu quero esculachar!

O negócio é fechado com sucesso.

19 comentários:

  1. Esse texto foi retirado de uma coletania que nunca lancei chamada " A noite dos 1000 demónios".

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    1. Paulinho me lembrou aquele personagem do Massacra de serra eletrica 2.

      Que boneco chato, É uma figura! Mas nada mais é do que consciência do condutor!

      "É mais fácil lidar com uma má consciência do que com uma má reputação." Nietzsche

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  2. Nossa, totalmente Trash... muito bom! rs, que originalidade, eu pensava que era retardado '-' mas mudei de ideia(obs, isso é um elogio )

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  3. Realmente as coisas andam meio desconexas por aqui. Mas obrigado Allan, você me chamando de retardado faz eu me sentir um José Saramago...

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  4. Eu também quero esculachar essa noite .

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  5. O dilema do homem e sua (in)consciência. Quando fica-se bêbado, acho que as pessoas ficam meio "boneco". No mais queria ter um boneco pra mandar uma monte de gente tomar naquele lugar.

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  6. Cara, mto bom mesmo, Tambem tenho um blog de contos de terror... Na verdade to começando agora, Quem puder dá uma olhada aí http://insetosdecarne.blogspot.com/

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  7. Meu monstrinho preferido , passei meu aniversario de 18 anos gritando estericamente as letras da maldita , acompanhando voces na embaixada do rock, e atentei o Fabio o maximo que pude, pena que esse ano voces não vão vir no meu aniver , mas apareçam por são leopoldo , saudades Erich ! e muuuuuita saudade da maldita!!

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  8. Teus textos são incriveis , os mundos bizarros e poeticos q voce descreve me agradam tanto qnto os dos meus autores preferidos ,são uma viajem e tanto, deveria publicar!!

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  9. foda essa necessidade de um boneco, viu... rs.

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  10. Deveria lançar esta coletânea, ou ir lançando os textos aos poucos Erich.
    Gosto bastante do teu jeito de escrever, me lembra algumas coisinhas que eu leio.

    Marjorie

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  11. Este comentário foi removido pelo autor.

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  12. Erich você é incrível. Eu também escrevo mas meus textos não são tão bons como os seus.

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  13. Esse boneco me lembra meu pai e seu amigo bêbado e estuprador

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  14. O condutor do boneco é o Leopardo ou o William?
    Fiquei meio confusa.

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