domingo, 26 de dezembro de 2010

os suburbios (pt2)

Ele continuou contando e disse que o tal homem marcado se apaixonou por Danielle, e começou a fazer visitas fora de hora nas casas de show em que ela se apresentava. Danielle contava que estes homens eram ávidos por sexo, e que somente profissionais da carne poderiam dar conta de seus desejos compulsivos.
- Fale mais.
- Ela contou que um dia seu cafetão a estapeou no rosto, e no fim da noite ele foi encontrado morto no deposito de lixo nos fundos do clube.
-Como?
-Parece que com duzentos ossos do corpo esmagados. Como que se tivesse sido atingido por uma pedra. Do seu tamanho.
-Ahan...
-E a cabeça foi arrancada.
Aquilo estava ficando repulsivo, então ele disse que uma noite estava transando com ela quando o homem marcado chegou.
- E o que você fez? – perguntei.
- Me escondi.
- Como?
- Você não vai querer saber.
-Preciso saber de tudo.
- Me escondi dentro dela.
Eu já tinha ouvido falar desse tipo de perversão sexual dos Liliputianos, que devido ao seu tamanho entram na boceta da mulher e ficam lá dançando. Dizem que elas ficam loucas. Também já ouvi falar de mulheres que tem compulsão por enfiar objetos na boceta, e de homens que gostam de se enforcar enquanto estão batendo punheta para aumentar o tempo do orgasmo. Essas taras não me assustavam, e embora fosse irrelevante, perguntei com toda a entonação de perícia um detalhe sórdido que me despertou de certa forma o interesse.
-Você se escondeu no cu ou na boceta?
E ele respondeu no cu.
- Certo. Quero a discrição física dela. Tudo. Cor dos olhos, do cabelo, altura, seios. Também quero os nomes dos clubes em que ela trabalha e do novo cafetão dela.
- Se você quiser, pode encontrá-la ainda hoje em um clube chamado Inferno da luz vermelha, mas lá é muito barra pesada e não sei se eles aceitam clientes humanos.
- Você ouviu isso Tarso? Não aceitam seres humanos.
- Sim senhor. Vamos tomar mais uma dose de Whisky aqui e conseguimos chegar lá antes das duas da manhã.
Eu sempre gostei do meu trabalho. Sempre gostei de dar tiros, e de me infiltrar no submundo estorquindo drogados e negociando com putas, prendendo bandidos, executando pessoas que em geral fizeram mal a outras pessoas. Tudo sempre dando muito certo, ganhando muito dinheiro. Mas as coisas mudaram muito, acho que esse ano completa dez anos desde a nova ordem mundial. Puta que pariu dez anos desde que o mundo se tornou um caos, e descobrimos que não sabíamos nada de nossa natureza. Dez anos que eu descobri as coisas não giram apenas em torno do dinheiro, que existem causas muito maiores que o dinheiro, existe uma força interna, uma mágica, um poder que o dinheiro não pode comprar. Aquele homem marcado tem esse poder, e eu quero pega-lo. Foi muito estranho e gratificante para mim, o dia em que percebi que não era mais corrupto, que não queria mais ferrar meus semelhantes, eu deveria protegê-los. Servir à lei e a ordem, e abdicar dos prazeres mundanos e das coisas materiais que sempre prezei. Carros, mulheres, casa em muriqui, festa de final de ano, ser conceito na rua. De certa forma, acho que abdicar desses prazeres efêmeros fez com que eu me sentisse cada vez mais próximo de toda essa magia, de todo esse poder e a fantasia de quem sabe um dia me tornar um deles. Um homem marcado.
Só me sobrou minha arma, o álcool e minha humanidade.


Chegamos no tal puteiro do inferno e nossa entrada não foi barrada. De fato o lugar era como uma câmara infernal. Era soturno e repleto de luzes todas vermelhas. A fumaça não permitia enxergar além da palma da mão e o cheiro de formol faria qualquer coisa querer vomitar. Era horrível, haviam cabeças espalhadas por todos os lados. Cabeças penduradas, cabeças no bar, rostos sem olhos, outro preso pela língua. E não eram apenas cabeças, haviam dezenas de pedaços de corpos espalhados por todo o local.
Fui correndo para o bar pedir um Martini duplo, e acabei esmagando uma mão no caminho.
- Puta que Pariu estamos no meio de uma salada de restos de corpos humanos!
Tarso estava assustado também, havia um torso tentando se arrastar no chão ao nosso lado, uma perna montada em cima de um braço e mais algumas costelas, que engendravam uma espécie de inseto, pedaços pulando, pedaços se arrastando por cima de nossos pés, e umas cinco mulheres humanas dançando para essas coisas no palco. Mulheres bonitas dançando funk. Cerveja e chopp gelado, música eletrônica caos sonoro de centenas de pedaços falando alto e fumando.
A atendente do bar disse que não havia Martini e então eu pedi uma cerveja. Tarso me acompanhou. Perguntei a ela sobre Danielle, e ela disse que era setenta Reais. Mais o quarto. Então eu disse que só queria vê-la e ela falou que iria se apresentar em vinte minutos.
Enquanto ela falava vi um pé se arrastando com o que parecia ser um pedaço de uma mão de quatro três dedos, eles se fundiam como que se estivessem trepando, mas acho que estavam ajudando-se a se locomoverem.
- Caralho! Acho que estou tendo um delirium tremens.
- Fique calmo senhor, eles parecem que estão se divertindo. – Tarso sempre foi mais controlado emocionalmente do que eu.
Pedi outra cerveja e tentei aproveitar a situação. A menina do bar me atendeu e percebi que ela também não tinha um braço.
Havia uma cabeça apoiada no bar me olhando, e era evidente que ela queria conversar. Talvez ele soubesse de alguma coisa. Nos aproximamos e ela nos ofereceu outra cerveja. A cabeça tinha uma voz muito aveludada e falava um português perfeito.
- Fiquem a vontade rapazes, já percebi que você não costuma vir aqui. Aqui é o lugar onde os imortais costumam vir beber e falar merda, enfim, se divertir. Você sabe, muitas vezes mesmo os imortais sofrem acidentes , como se chama? Fatais? E como seus corpos se negam a morrer, eles ficam por ai, despedaçados sem ter aonde ir.
- Compreendo.
- Um cai do prédio, o outro é atropelado, outro foi fuzilado. É um mundo muito louco lá fora. Você acredita que eu fui esquartejado por uma prostituta enquanto dormia. Ta vendo aquele pau ali? _ Ele apontou para um pedaço de pele que pude distinguir era um saco se rastejando perto do palco. – Aquele é o meu pau. Antes eu tinha que ficar me rastejando pelas ruas como um marginal, agora posso ficar aqui bebendo cerveja, enquanto converso com meus amigos e fico vendo meu pau foder uma mulher. Por isso montei este estabelecimento e está dando muito certo. Sempre trabalhei com clubes noturnos e o segredo é a cerveja gelada. Cerveja gelada e mulheres bonitas. Afinal, vocês são especiais ou são humanos?
- Somos humanos.
- Olha, que maravilha. Nunca vejo de vocês por aqui. A cerveja esta liberada por minha conta. Agora olhem que delícia.
Olhamos para o palco e a dançarina tinha pego o pau que estava se rastejando no chão e o colocava na boca enquanto dançava. Outra vez ficamos vendo aquele saco murcho só que dessa vez pendendo para fora da boca da moça.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Os suburbios (pt1)

Estávamos investigando um caso de homicídio. Nos tempos em que vivemos hoje homicídios são coisas que passam desapercebidas, porem este, era um caso diferente. Segundo testemunhas um homem marcado havia matado um homem do governo e as autoridades tinham o dever de mostrar que estavam fazendo algo, então nos mandaram para bairros suburbanos e nos instruíram que se não encontrássemos nenhuma pista era melhor não voltar para a corregedoria. Meu nome e Saulo e este é meu parceiro Tarso, somos detetives a caminho de nosso dia do juízo final. Desde o dia da nova ordem mundial dois seres humanos penetrarem os subúrbios deste pandemônio de cidade é uma sentença de morte. Mas nós éramos durões, e estávamos armados.
- Para aonde nó vamos senhor?
- Vamos pela linha vermelha. Mas antes encosta naquele posto. Preciso comprar uma garrafa de Whisky.
- Burbon, senhor?
- Nada. Do jeito como as coisas estão, vou ter que beber o Titchers.
- Excelente escolha senhor, para uma missão suicida...
- Ah, vai se foder.
Eu adoro meu parceiro, nós nos xingamos o tempo inteiro e também já acertamos as contas com o crime muitas vezes juntos, se é que vocês me entendem. Mas quando a ordem era de prender ou matar, seguíamos a lei cegamente como um inseto é atraído pela luz.
Bebemos metade da garrafa do Titchers e chegamos em Madureira. O whisky já me deixara mais corajoso e a arma se posicionava o tempo inteiro ao alcance da mão. Estávamos tensos, aquilo era terra de ninguém.
Havia um cara que ligou para o disque denuncia, dizendo que conhecia alguém que testemunhou o crime, um parceiro que se sentiu traído talvez e que estava disposto a servir de informante para a polícia. Concordamos de encontrá-lo em Madureira, pois de lá ele nos levaria em um bar aonde estava o tal informante.
Encontramos o ser que fez a denuncia e ele era um crustáceo. Tipo de coisa muito comum aqui no Brasil após a nova ordem mundial. Eles dominaram as praias com suas barracas de pedras e suas garras metálicas. Se eu estivesse andando na rua sozinho, não pararia para falar com esse cara, o que não era o caso. Ele queria ajudar. Este andava sobre duas pernas, tinha uma cabeça enorme e fumava cigarro. Parece que o olfato dessa galera é muito bom e ele me perguntou se eu estava bêbado, então perguntei se ele era uma lagosta, coisa que eu sei que os ofende como um japonês que é confundido com chinês. Resolvemos nossas dissidências, e ele disse; - Vamos. Vou levar vocês até o informante.
Entramos em um clube de strip acompanhados do crustáceo até o bar aonde se encontrava o homem, e lá estava ele. Era um Liliputiano. Liliputianos são homens iguais aos seres humanos, mas com uma pequena diferença, eles medem em média vinte centímetros, ou seja, ele é do tamanho do meu sapato. Seu nome era Antonio terceiro e estava disposto a falar.
- Estive com uma garota que trepa com um desses paranormais conhecidos como a casta dos homens marcados. – Disse o Liliputiano.
- O caranguejo aqui disse que você esteve com um desses homens, e não que você fode a mulher dele, o que está acontecendo aqui?
- não, não, você não entendeu, é muito arriscado falar sobre isso dessa maneira.
Então coloquei a palma da mão aberta sobre a mesa e ele subiu. Em seguida, ergui a mão até meu rosto para que a conversa ficasse somente entre nós dois.
- Cuidado com sua respiração, ou vou acabar ficando bêbado.
- Pare de conversa e me conte logo o que você sabe sobre esse cara, não consta nos registros da policia que eles habitem o Brasil.
- Hum, você que pensa, existem vários deles no mundo todo.
O Liliputiano me contou que estava tendo um caso com uma prostituta que se apaixonou por ele e queria largar a vida profissional. Eles passavam muitas horas do dia juntos conversando sobre os dramas e os privilégios de sua profissão, e em uma dessas conversas, ela contou que possuía uma clientela muito especial, ligada a algum tipo de seita, e que nessa seita seres humanos evocavam um desses homens marcados e ofereciam a ela como reverencia para o “Semi deus” como eles o chamavam.
- Então há uma corrupção por trás dessa porra?
- Sim, sim, eram aristocratas de todas as fratrias; juízes, advogados, políticos, bicheiros.
-Sabe alguma coisa sobre a associação de trafico de bebês?
-Apenas que eles vem da Croácia.
- Entendo. E essa moça. Como se chama?
-Danielle. Ela trabalhava no circo. Mas isso não é tudo.