segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A negociação de arquivos Bob Marley no Rio de janeiro

Depois tudo aconteceu conforme o prometido. Tão pouco eu terminava o corte moças seguiam com os novos rumos de suas vidas. Os cabelos ditavam tendências, os clientes enlouqueciam e os salões ficavam lotados. As mulheres histéricas se amontoavam aos bandos e ofereciam suas almas se fosse preciso por um Chanel ou um repicado. Com o tempo, é claro que o buxixo chegou até as classes mais elevadas e então comecei a cortar os cabelos da elite. Sempre daquele jeito; quanto maior a ambição da cliente, geralmente mais escura e exótica a sua aura, e consequentemente, o seu novo cabelo.
Apesar de tudo isso, eu me mantive humilde como a batata-da-terra. A fama nunca me subiu a cabeça, e os investimentos em bebidas e ansiolíticos não param de crescer.
A praia estava deprimente. não sei exatamente o por que de eu estar aqui. Pessoas sujas e mal educadas falam aos berros e ficam babando sobre as bundas que se encontram em toda a parte. De fato, as bundas eram maneiras. Vejo uma gostosa que também tem suas tatuagens esverdeadas como as minhas, seu biquini encravado no cú. Ela se aproxima, e ao menor dos movimentos bruscos na areia seu corpo é sacudido gerando um grande tremor na terra de movimentos tectônicos. Isso não é mutação, é mal formação. Diz uma das vozes em minha cabeça. Ela se senta , saca um baseado do maço de cigarros e começa a fumar com um grupo de amigas. Também quero fumar mas não sei o que dizer. Ela passa o baseado que fica grudado na boca de sua amiga. Me levanto e fico me alongando perto do grupo para ver se alguma delas me reconhece. O famoso cabelereiro. Aquele de sexualidade ambígua. Uma delas cospe na mão e esfrega a saliva que chega a transbordar para que a coisa fique acesa por mais tempo. Elas não me reconhecem. Tiro os óculos escuros e dou uma risada de uma de suas piadas como alguém que acidentalmente ouviu a conversa do grupo. Elas não reparam. O baseado chega na ponta e se apaga.

Como um muçulmano, recolho minha canga do Bob Marley e realizo a peregrinação para perto de outro grupo de fumantes. Dessa vez são dois rapazes que também fumam exibindo suas tatuagens e conversam sobre a India. Simpatizo com eles e me introduzo bem direto.
- Fala ae galera, rola deu dar um dois com vocês?
- Claro cara, deixa só o meu parcero fumar que o beck é dele e você fuma também.
A dupla era agradável. Eram viajantes. A conversa era sobre a erupção do Krakatoa, um vulcão a oeste de Java. Logo evoluiu para o tipo de maconha que se fuma na indonésia, e finalmente chegamos até a pena de morte.
- Será que a gente não podia mudar de assunto não? Esse negócio de pena de morte, sei lá. me deixa meio assim ... me deixa meio nervoso.
- Pode crê cara. "fffuuu..." Mó vacilação... 'fffuuuu'... essa parada de pena de morte na indonésia. "fffuuuu...." Nego lá só queria fumar bagulho bom e curtir.
- Essa é a parada.
- Tipo, na Hollanda, a gente só fumava do verde. Todo dia. Mó astral cara. Igual essa tua canga ae do Bob Marley.
Meu Daimon interior mais uma vez estava certo. Esses moleques eram maneiros. Conversamos sobre diferentes tipos de maconha e religião do mundo inteiro. Traçamos um paralelo entre as plantações de canabis sativa na América do norte, e sua estreita ligação com os cultos evangélicos que são predominantes na região. Cocluimos, que devido ao fuso horário, o tão odiado presidente Bush deveria estar acendendo um baseadão nesse exato momento em uma de suas enormes propriedades no Texas.
Enfim, o marasmo da droga. A quietude. Algo que se faça curtir essa situação tropical que agora me encanta a alma. Conversar com estranhos, chegar as alturas da iluminação e da revolução da dialética. - Hummm... Krakatoa. Ser embalado pelo som das palavra desconhecida, ouvir a onda do mar. Mente quieta. Passividade e recptividade. Paz divina. Forma elevada de pensar e de não pensar. Recordar e re-descobrir o motivo pelo qual tomei aquele avião do Espirito Santo e vim para o Rio de Janeiro. Auto-observação e compreensão. Avaliar cada pensamento que chega a mente e considerar que toda idéia tem dois polos, negativo e positivo. Esse é o momento em que todas aquelas bundas se viram para mim, e eu fico contente de estar aqui. Não vacilar. Curtir o momento. Aliás, negócio bom esse de Java, sem bad trip, nenhuma tempestade. Uma dupla de Pms se aproxima e rodam um grupo que fumava em um cachimbo. O símbolo da polícia militar intimamente ligado com o da magia negra naquele momento. No cahimbo, um chape de um duende. Ningem se desespera. Ta tudo uma maravilha. Princípio pensante sob controle. Intimidade de contato com aquele "Aquilo" descrito por Jack Korouack. Eu chamo de "Verdade". A cada instante uma nova descoberta, uma cor, um detalhe. Cada momento é absoluto... vivo... significante.... e de repente... o silencio. Vamos agora colar nossas mão no peito em forma de um coração e entoar o mantra "Om". "AAAAUUUUUMMMMM". O som do universo, o conhecimento dos vedas. Vigília, sono, e sonho. Sonho... Silencio. Vou abrindo os olhos lentamente, e vejo que tudo continua lá. O sol, o mar, as bundas. Então, novamente o silencio .............................................................................................................
- Pode crer, Krakatoa...
- Ae cara, você não é aquele maluco que corta o cabelo de geral?
Em meu transe, percebo que as palavras são dirigidas a mim.
- Sim, sou eu mesmo.
- Porra, pode crer. Satisfação cara. Se ligou Brow? É ele que corta o cabelo daquela mulherada toda. Tu ta bombando na mídia.
- Pode crer. Lança o corte novo da Krakatoa.
Algumas risadas.
Foneticamente o nome não agradaria muito, mas eu ja imaginava como seria.
"AAAAAAAAUUUUUUUUUUUMMMMMMMMMMMMMMMMMM"

2 comentários:

  1. Poxa!! Que cabeleireiro exótico, canga do Bob Marley e falando sobre a Indonésia e pensando a teoria da deriva continental.
    Detesto ir cortar o cabelo e quando o faço marco horário à noite pra não ter de ouvir a mulherada falando no marido cachaceiro, dos filhos da vizinha e sobre o almoço.
    Seria legal conversar sobre geografia com esse cabeleireiro, falar sobre as paisagens do nordeste, sobre a vontade de conhecer Bonito-MS, ir para o Chile ver o Faith no More...

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  2. Cortar cabelos sem decepar a orelha dos outros é uma arte.

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