quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Diálogos (pt1)

Foi enquanto deliberava sobre esses fragmentos de uma mente desfragmentada uma mente pueril, que tive a oportunidade de esbarrar com o personagem da Disney de verdade. De carne e osso, como eu e você. Avistei-o do outro lado da rua. Um palhaço. Não era como esses palhaços de vinte mil dólares que você assiste no circo do Solei se jogando de um trampolim de dez metros sem morrer. Não esse era um autentico palhaço, parecendo um farrapo humano, com a maquiagem tosca e escorrendo, era tão digno de pena que dava vontade de rir. Como de fato é o aspecto de um palhaço. Singelo, cômico e deprimente. Tudo ao mesmo tempo. Alegre e saltitante, com aspecto de quem tem fome, doenças venéreas de etiologia desconhecida, com manchas amareladas de nicotina entre os dedos. Além de um aspecto bizarro, sua abordagem muito me chamou a atenção, pois sem saber de nada da minha vida, me comprimentou fazendo uma piada ridícula, e após minha reação apática ele disse com muito animo; Vejo aqui um doutor vestindo a pele de um louco, que faz de tudo para não ser feliz. Como você sabe? Posso ver em teus olhos. O que? Que doutor não pode usar pele de louco e que louco não pode ter idéia de doutor. Hum... Seu nome, disse ele, era Pablo, mas na periferia todos o conheciam por Pipoca. Era morador de rua. Disse que fugira da comunidade daonde morava pois havia cometido um crime hediondo e agora era jurado de morte. Seu rosto não me parecia um rosto de quem já havia matado antes, muito pelo contrário, até por que ele estava com a cara toda pintada. Alías foi isso que em primeira instancia me chamou a atenção em Pablo.. Ele era um palhaço morador de rua, com um rasgão enorme na altura da bunda em sua roupa surrada e triste de palhaço. Embora, deveras mais fodido do que eu, sua alegria era radiante, seu senso de humor apaixonante, seu português todo errado, seus dotes de leitura, Rg, cpf e endereço, inexistentes.. Esse encontro passou a descoberta do sentido da vida para o terceiro lugar da coisa mais importante que já aconteceu na minha vida, assumindo o segundo. Lhe ofereci um cigarro e convidei-o para tomar um cerveja. Sentamos em um bar e ele disse que tomaria apenas uma água, pois desde que entrara para a igreja havia deixado a bebida e o pó. Nesse momento, lógico, fiquei paralisado de medo. Meu deus, cá estou eu sentado com um palhaço assassino e evangélico. Vou ao banheiro, eu disse. Saí pelo patamar e no meio do caminho lembrei que tinha deixado la os cigarros. Que se dane. Tenho dois mil reais no bolso, deixa aquele para o palhaço. Sai pelo quarteirão e quando já estava perto da outra rua parei. Parei e fiquei pensando. Fiquei pensando nele. Dei meia volta. Se for para eu morrer hoje, que seja não mão de um palhaço. Entrei no bar. Por que demorou tanto? Estou de ressaca, precisei dar uma cagada. Entendi. Apesar de que a prova concreta de muitos anos de estudos das diferentes patologias malignas da mente humana. Psicopatas, sociopatas, perversos, mazoquistas, capitalistas etc... Esse caso de religião (psicose) vestimenta de palhaço (Borderline) e um homicídio nas costas levaria a crer que estou aqui a tomar cerveja com um monstro. Ma muito pelo contrário. Pablo fora até agora, a única pessoa que eu conheci nessa viagem, com quem me identifiquei. Não obstante, qualquer movimento suspeito me fazia agarrar a garrafa de cerveja, um golpe certeiro, e o palhaço assassino entrava em coma. Ele dizia que não sabia o que era o amor, dizia também que tinha um filho, mas que não o via a mais de um ano. Contava como era dura a vida de palhaço. Entre um cigarro e outro ele foi me contando a historia de sua vida. Disse que desde pequeno tinha essa fixação por palhaços pois seu tio havia sido um palhaço muito querido na comunidade em que nascera, o que para ele, conseguir alegrar os outros em tal ambiente, era mais a tarefa de um mágico a que a de um palhaço. Contou também que o tio era viciado em crack e que cometera suicídio. E falou; curioso, né? As duas pessoas mais queridas pelas crianças, adultos e idosos da comunidade, uma se matou e a outra já matou. Concordei com a garrafa na mão. A roupa era do tio dele, e o rasgo uma outra historia. Paguei a ele uma porção de lingüiça, que seria como cianureto em meu estomago. Ele devorou. Não entramos em assuntos delicados como deus, ou cemitérios clandestinos nas periferias do rio grande do sul. O mais impressionante era a capacidade dele, devido as circunstancias, de ser feliz. Falava com todo mundo, cantava, fazia piadas, imitava os outros, fingia que falava inglês, uma língua indecifrável para qualquer um que falasse. Fazia posições de yoga, dançou tango com uma mulher enorme de gorda, fazendo-a sentir-se menos gorda. Um espetáculo. Como que ele aprendeu todas essas coisas? Pablo disse que embora fosse órfão de mãe e de pai, aprendera com o tio a já mais desprezar um conhecimento, então, apesar de permanecer analfabeto devido a uma dislexia, aprendera de tudo o que pudera fazer com o corpo. Aprendeu a dançar, a cantar, a fazer careta, se maquiar, tudo observando e perguntando. Namorou uma menina de classe media da cidade que estudou dois períodos de filosofia, então sabe que é Platão, Aristóteles e até quis falar comigo sobre o incosciente de Freud. Falava; Eu sou que nem Aristóteles, aprendi tudo assim oh. Com os olhos. E dizia apontando para eles. Se eu tivesse dinheiro, teria sido um químico, como não tenho, virei palhaço. Realmente ele não tinha desperdiçado tempo mesmo, tinha vontade de aprender. Perguntei o que ele achava do Bozo. Ele adorava Bozo. E cantava todas as músicas. Ficou até chato. Falei a Pablo que ele deveria ocupar um cargo maior que de palhaço, mais importante. Tipo vereador, presidente, sei lá. Ele riu e disse que o máximo que conseguiria chegar era a catador de latinha. ( que certamente faz mais por uma cidade, mantendo ela limpa do que o prefeito que nem sei o nome, mas que nada deve fazer alem de roubar e gozar na boca da secretaria).

13 comentários:

  1. As figuras ocultas...
    Tenho a mesma sensação, às vezes aprendo mais com estranhos do que qualquer livro ou disciplina que o mestrado poderia me proporcionar.

    ResponderExcluir
  2. Quanto aos políticos, acho que ser palhaço é bem mais sincero. Dos palhaços as crianças riem, e graças a muitos políticos as crianças choram.

    ResponderExcluir
  3. olá. enquanto eu fugia das minhas obrigações, entrei no seu blogue e me deparei com este texto instigante. o pablo é uma figura magnificamente multifacetada. inteligente, curioso (2 qualidades que muitos dos que são denominados elite intelectual do país não possuem) e, ao mesmo tempo, tem um lado sombrio que assusta. ele é humano demais, chuto que você realmente conheceu esta figura e que ele teria roubado o seu dinheiro se tivesse tido a oportunidade... falando de pessoas, me lembrei do seu Ijui: um mendigo que morava nas ruas do bairro da minha avó e é o senhor mais sarcástico e cavalheiro que eu conheci. sempre parava para conversar com ele, mas ele sumiu... gostaria de ter feito algo por ele além de ter comprado pão e cachaça. o texto me fez refletir no interesse que eu tinha pelo Ijui e pelas "pessoas realmente renegadas" (ainda tenho, na verdade). acabei me condenando por chegar a conclusão que, na verdade, sou apenas uma guriazinha criada a leite com pêra que, pelas neuroses da minha criação etc., desenvolveu uma doentia fascinação pelas misérias do mundo. apesar de nutrir afeição pelo seu Ijui, ele era o meu “guia das crueldades”. é horrível olhar para o seu pior lado, o teu texto cutucou algumas feridas... não sei se tu compartilhas da mesma sensação que eu? só sei que agora eu voltarei a estudar francês, pois é a coisa mais digna que eu posso fazer no momento.

    ps: perdão pela prolixidade e pela quase sessão de análise

    ResponderExcluir
  4. Encontros casuais mudando as velhas perspectivas.


    ''Palhaço assassino e evangelico''. Me lembrei do filme ''IT '', não sei porque. Ah e de uma frase tambem que não vem na cabeça de quem é :

    Sê senhor da tua vontade e escravo da tua consciência.

    ResponderExcluir
  5. Eu sou palhaço profissional ja usei todo tipo de droga, apaixonado pela arte sai das ruas da fome e busquei mudar o rumo da minha vida, ainda sou jovem to no meio do caminho mas hj posso dizer que estou crescendo, engraçado como as pessoas olham para o palhaço como alguem merecedor de dó, mas ao contrario o palhaço ri do rídiculo de ser humano, demasiado humano, jan cansei de cuspir fogo no sinal em busca de trocados pra comer, e hj animando eventos e trabalhando com edição de imagens vejo q o unico momento em que sou eu mesmo é quando pinto o rosto e faço as pessoas rirem delas mesmas.

    ResponderExcluir
  6. O palhaço é um arquétipo de nossa sociedade. Aquele que rí ou se compadece dele, é alguém que pegou a receita errada no psiquiatra, e deveria estar tomando aldol, mas prefere frequentar a academia.
    Editar imagens é desconstruir a vida simbólica, como o sonho. Cuspir fogo é um ofício para os poucos que entendem dessa arte.
    Ser um palhaço no teatro das sombras é a arte de cuspir fogo nos sonhos dos outros.

    ResponderExcluir
  7. IT era sinistro. Me dava o maior cagaço quando eu era moleque. Se liga nele aqui; http://www.youtube.com/watch?v=cJ3GKpjBALk

    Hail Stephen King!

    Minha vontade é inimiga da minha consciência. Ela são como Dr. Jackyll e Mr. Hyde.

    ResponderExcluir
  8. Algumas vezes somos obrigados a olhar para o nosso pior lado. Um ser humano que só goza, não luta para sobreviver. O ser humano que sofre, instiga a mudança. Mudar em prol da vida. Cutucar a ferida. Toda vez que tomo banho me deparo com elas.

    Pense o seguinte;

    Imagine um ano que foi muito bom em sua vida. Agora lembre-se de outro que foi uma merda. Qual te tornou a pessoa que tu és...
    Para o bem, ou para o mal, o sofrimento é uma escola. Não que nós devemos viver para sofrer, mas sofrer nos faz valorizar os bons momentos da vida.

    ResponderExcluir
  9. 1000 falsos políticos, não valem os sapatos coloridos de um palhaço genuíno.

    ResponderExcluir
  10. tu não tem noção do quanto as tuas palavras vieram no momento certo. você sintetizou um pensamento que era vago para mim, mas muito confortador. obrigado.

    ResponderExcluir
  11. De fato. Sofrer é necessário, faz parte da existência humana. Viver é sofrer, se alegrar...assim, ela segue.

    ResponderExcluir
  12. Nunca fui palhaça mas sempre riram de mim ...
    Talvez devesse ter tido um Pablo nas minhas festinhas p/ me ensinar a achar bom rirem de mim .

    Ah, foda-se - nunca tive festinhas tb .

    ResponderExcluir