sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O eterno presente


Andando pelas ruas do sul, de Rayban e calça apertada, me sinto como se fosse Raul Seixas, Ser humano que muito reverencio. Ando pelas praças vazias, tomo um café expresso, converso com hippies que fumam encostados nos prédios. Um deles lembra muito um paciente meu. Compro o jornal. Leio as notícias mais trágicas. (Sou meio necrofilico ). Tomo nota de que dia é hoje. Quinta feira. Fumo um cigarro e saio por ai a contemplar a solidão e o orgulho de um homem livre que já viveu muitas coisas, mas que não sabe nada. Ao contrário da família feliz. Vejo os peixes, atiro miolo de pão aos patos e fico a questionar a razão daquilo tudo. Como um John Lenon do terceiro mundo, ou, como um Sófocles sem Edipo fico ali observando e pensando. Quem são essas pessoas?Por que me olham assim. Gosto tanto de ficar só. Será que escolhi a profissão certa? Quero dizer, será que eu , uma patologia por debaixo de pele sou capaz de ajudar alguém? Será que a família feliz procuraria a minha ajuda se soubessem que sou médico. Talvez se eu fosse o Ultimo do mundo. Talvez. É sarcástico pensar, que pelas vicissitudes da vida me tornei uma pessoa que ajuda a resolver os problemas das outras pessoas, e disso, pela prático de que sou bom, e no entanto, a ultima pessoa que posso ajudar sou eu mesmo. É como quando você pega um avião ou trem nos Estados Unidos e lá está escrito Final destination. Todos os dias da minha vida, a cada momento são meu destino final. Ou seja, um eterno presente. Disforme, atemporal, mensurado por gimbas de cigarro e garrafas de cerveja. Quem sou eu? Me sinto como uma carrera de pó, que um viciado compra na boca, cheira a noite inteira e não dorme nunca mais. Daí eu escrevo um artigo e está tudo certo. Um sentimento efêmero transformado em matéria que usa terno e gravata sobre a substancia incorpória e respeitada que alguns chamam de doutor, outros chamam de doidão e quem realmente me importa chama de nada. Como naquele filme da historia sem fim. O nada. O nada a que tudo consome. Eu devo ser tipo isso mesmo. Mas é melhor ser o nada do que aquele homem feito de coco que anda de triciclo. Gostaria de saber quem eu sou de verdade. Olhar o que tem por debaixo dessa barba, por de trás dessa pele. Mas isso é impossível. Como um Nosferato do século vinte um, mal consigo ver meu reflexo no espelho. Eu vejo um doutor, tipo frankenstein. Mas sei que esse doutor na verdade é o mostro verde de oligofrenia moderada. E Pior, pois além de Nosferatu e de Frankenstein, algumas noites, como ontem, viro Lobisomem. Não lembro de nenhum que tenha um nome conhecido. Um cachorro do mal, que sai por ai cagando e mijando nos outros, cheirando o cu alheio e capaz de matar esmagada uma criança recém nascida. Que merda. Aparte de Nelson Rodriguez, que é relativamente moderno, eu me sinto como se fosse uma mistura heterogênea de todos os monstros da literatura dos séculos antigos. Ainda por cima vestido da pele de um doutor. Dr. Jack e Mr. Hyde. Esse sou eu, meu novo duplo. Eu deveria tomar vergonha na cara, pegar o telefone e ligar para Mary Shelly agora mesmo. Mas ela mudou de número. Os telefones mudam. As pessoas mudam. E é justamente a este devir que acho que me sabotei. Mas creio eu que ainda está em tempo de se subverter esse pessimismo. Até o Peter Pan foi para uma clinica de reabilitação da imaturidade. Tenho que parar de pensar em contos de fadas, ou vou acabar me tornando um deles. Afinal das contas todos os seus autores eram tão outsiders da realidade quanto eu. Não seria tão ruim. O doutor R, por exemplo, parece um duende. A mulher azul, parece a branca de neve. Conheci uma puta que se chamava Bambi, e o Doutor F. parece o dunga e os sete anões.

13 comentários:

  1. Gostei da antítese:

    "O nada a que tudo consome"

    Não seria seria tão ruim se tornar um conto de fadas...

    Seus textos são envolventes...
    vc escreve mto bem

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  2. Me vejo neste texto, onde prefiro não classificar como bom ou ruim; apenas me vejo.
    Quem sou eu/realidade/Nosferatu/ Vestida na pele de professora.

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  3. É engraçado, mas tb já tive nítida impressão de q meu suor, sangue e lágrimas favorecem aos outros de uma forma q me faz bem ...
    Masoquismo ?

    E me passa o Número da Shelly qdo vc descolar ?

    p.s. : eu amo William Blake, velho ! Tem o telefone dele ?

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  4. William Blake é incrível. Para os que não conhecem recomendo "O casamento do céu com o inferno na terra".

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  5. Masoquismo e sadismo são dois lados da mesma perversão. Tipo o cara que é voyer e o que gosta de se exibir na frente do computador.

    O telefone do Blake eu não tenho não, deve ser um número Pitagórico.

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  6. é interessante ver que não sou só eu que tenho problemas e sofro de egocentrismo... como o comentário acima colocou, também me vejo no texto. da tua maneira, colocaste questões existenciais que me afligem e, certamente, a muito mais pessoas também...

    eu também acabo me tendo como a personagem principal das minhas tentativas de escritos... como posso querer escrever sobre o mundo se eu não conheço nem a mim mesma? não seria nenhum monstro da antiga literatura, mas me identifico sempre com aqueles personagens imersos em dúvidas, que sabem que tem algo a fazer mas não o que deve ser feito... queria te dar os parabéns pelo belo texto e dizer que este comentário é o produto de uma tarde de tédio que acabou de ser preenchida...

    ps: já leste o livro kafka à beira-mar?

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  7. Mrs Indivídua, fico grato de ter acabado com o seu tédio, como um paliativo que tomo para dormir.
    Monstros da antiga literatura, ou bestas mitológicas, são mina especialidade. Mas nesse exato momento após um show, me encontro no quarto de um motel barato, dividindo a cama com os outros membros da maldita, e me sinto como um Edward Mãos de tesoura, que como você ja disse, imerso em dúvidas.
    No lugar de tesouras, tenho em minha mão esquerda uma cerveja, na direita um controle remoto, e na minha frente esse computador.
    Boa noite.

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  8. E voyer + não-exibicionista, no q dá ?
    Basket case ?

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  9. ..Mas creio eu que ainda está em tempo de se subverter esse pessimismo.


    Espero que haja tempo suficiente.

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  10. a verdade não existe.
    O que tu procura, afinal?

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  11. Nietzsche dizia q não a dúvida, mas a certeza que faz os loucos...
    Continua com tuas duvidas e finge ser são, rapaz.

    Bjos
    DJ Maldita

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